Imaginação fantástica

Olá, pessoal!

Estive pensando há bastante tempo em retomar as postagens no blog e achei bastante pertinente fazê-lo nesta semana considerando que no dia 18 de Setembro é o dia em que lembramos da morte do grande escritor George MacDonald. Além de sua importância na vida e na produção literária de diversas pessoas, a tradução que fiz de fragmentos de seus textos selecionados por C. S. Lewis foi um dos motivos que me levaram à criação deste blog muitos anos atrás.

Para começar a semana, decidi por esta pequena reflexão sobre um ensaio do George MacDonald chamado de “A Imaginação Fantástica” (The Fantastic Imagination).

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Ilustração de William Leonard Courtney para a obra “Undine” de Friedrich Heinrich Karl Baron de la Motte Fouqué.

Não somente o tema do ensaio é interessante por si só, mas sua estrutura dialogal também chama a atenção. Isso significa que o autor escreve como se estivesse conversando com alguém que lhe faz perguntas constantemente. Sem dúvida esse recurso estilístico ajuda a sanar algumas das dúvidas que nós mesmos podemos levantar enquanto lemos, mas também nos permite compreender o percurso do texto com maior facilidade.

Para George MacDonald, a imaginação é o que nos permite chegar o mais próximo possível da Criação: é por meio dela que um artista estabelece as leis que regem o mundo criado por ele. E, dentre todas as regras que regem esse mundo, a Lei Maior é a de que todas as leis devem ser respeitadas e harmonizar-se entre si. Caso o autor de uma história se esqueça de uma dessas leis, ou tenha leis que se contradizem, o texto passa a ser incrível (no mau sentido) e ele muito provavelmente não é um artista genuíno.

O uso da imaginação fantástica, porém, não é exclusivo daquele que cria mundos através da arte literária: o mesmo vale para o leitor. A diferença é que o leitor deve se submeter humildemente à imaginação do escritor e respeitar as leis que foram estabelecidas por ele. Se estamos lendo uma história na qual existe a possibilidade de viagens ao passado, ou em que algumas pessoas conseguem tirar raios de suas mãos por meio de algum treinamento específico, temos que aceitá-las e segui-las ao longo de nosso percurso imaginativo.

Essa entrega imaginativa do leitor à obra literária faz com que eu me lembre bastante da noção da arte como jogo. Mas este é um tema bastante vasto que exploraremos melhor em outra oportunidade.

Essa sua perspectiva é interessante, porque talvez ainda haja a ideia generalizada de que a imaginação seria “caótica” e, nesse sentido, aliada com contos de fada que seriam igualmente “anárquicos” pelas várias diferenças que possuem com a realidade. E, se considerarmos o que diz George MacDonald, “a lei é o único solo em que a beleza pode crescer; a beleza é a única coisa com a qual a Verdade pode ser vestida“. Dessa maneira, não há caos em belos contos de fada imaginados, porque a imaginação é, para ele, como um alfaiate que ajusta as roupas da Verdade para caber-lhe perfeitamente. E isso exige além de grande respeito também ordem: somente ajuntar pedras de qualquer jeito em um canto não as torna em uma igreja.

A relação íntima que ele estabelece entre Verdade e Beleza também é digna de nota, pois para George MacDonald, não existe beleza sem verdade e quanto mais bela a obra, mais verdades ela revela por ela mesma. Uma boa obra de arte mostra coisas em vez de escondê-las. E isso acontece exatamente por meio do uso da imaginação. O que, mais uma vez, provavelmente vai na contramão de uma ideia prevalente da imaginação como “fuga” ou “obscurecimento” da realidade e da verdade. Todavia, como bem diz o filósofo Edmund Husserl a respeito disso: a imaginação é essencial no desvelamento das essências do mundo e sem ela não podemos descrevê-las.

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Pintura de Samuel Palmer inspirado por uma cena de Sir Guyon sendo tentado por Phaedria da obra “Faerie Queene” de Edmund Spenser.

Dentro dessa mesma discussão entre Verdade e Beleza, MacDonald ainda faz uma crítica bastante pertinente em sua época, mas também em nossos dias atuais. Para ele, ter que colocar uma nota dizendo “ISTO É UM CAVALO” ao lado de uma garatuja rompe exatamente com todo o núcleo central do uso da imaginação para criar um mundo temporário e suas leis. Se é preciso explicar “do lado de fora”, a obra está escondendo muito mais do que mostrando e, sendo assim, não é bela e não manifesta a verdade.

É por isso tudo que ele afirma que a literatura em geral e os contos de fada em particular devem ser como a música, como uma sonata: ela não deve ter o objetivo de forçar as pessoas a usarem o intelecto para entendê-las, mas sim despertar alguma coisa no leitor. E isso significa que, para ele, a beleza nos provoca uma experiência estética que, embora seja também racional em certa medida, também gera humores específicos e provoca nosso pensamento (sem prescrever o que deveríamos pensar).

Para resumir, talvez pudéssemos dizer que, se o autor de uma obra literária utiliza sua imaginação para criar um mundo ordenado com leis harmonicamente estabelecidas, o seu leitor é capaz de submeter-se a esse mundo imaginado e permanecer nele por certo tempo aproveitando tudo que ele tem a oferecer.

E se isso é verdadeiro na nossa entrega à obra de arte literária em geral, com os contos de fadas isso não é diferente.

Até a próxima postagem!

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