Resenha: Phantastes – George MacDonald

Olá, pessoal!

A princípio havia considerado resenhar um conto de fadas de George MacDonald nesta nossa semana especial em lembrança ao dia de sua morte. Porém, tendo em vista que em geral é esse gênero de sua produção que é geralmente discutido, acabei optando por um de seus romances: Phantastes. E esse é um romance importantíssimo, já que foi capaz de influenciar profundamente escritores importantes como C. S. Lewis, G. K. Chesterton e J. R. R Tolkien.

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O enredo da obra é bastante simples. Anodos, nosso protagonista, faz 21 anos e precisa começar a assumir responsabilidades adultas. E, por esse motivo, recebe uma chave que lhe permite abrir uma gaveta específica em sua residência.

E, ao abri-la, é saudado por uma pequena fada que, após uma breve conversa, promete que o levará até a Terra das Fadas no dia seguinte. E, claro, é exatamente isso o que acontece, pois, ao despertar no dia seguinte, percebe que não está no mesmo lugar em que dormira e tem a convicção de que está a caminho da Terra das Fadas. E aí que começam suas aventuras nessa terra maravilhosa e cheia de mistérios.

Seria muito difícil descrever quais aventuras exatamente ele teve sem acabar revelando muita coisa que acontece na obra. E isso acontece porque os textos mais longos de George MacDonald têm uma estrutura um tanto fragmentada. Embora seja possível perceber o fio da narrativa e sua cronologia conforme avançamos na leitura, é quase como se cada capítulo (ou sequência breve de capítulos) pudesse ser tomado como uma história individual. O que, diga-se de passagem, não é algo ruim. Eu mesmo tenho meus capítulos favoritos em Phantastes que de vez em quando pego para reler quando me lembro deles.

Essa estrutura é fácil de se compreender por Phantastes nada mais ser que o registro feito pelo próprio Anodos de suas aventuras na Terra das Fadas após todos os seus acontecimentos. Então ele acaba assumindo essa ordem mais ou menos episódica que implica em diferentes desafios a serem realizados de cada vez. Enquanto que em um capítulo ele descobre o poder de sua própria cantoria, no outro, está ao lado de dois irmãos forjando armaduras que lhes permitam lutar contra gigantes. Em um capítulo, Anodos até mesmo descreve o que se lembra da história de um espelho enfeitiçado que leu quando estava na biblioteca de um palácio.

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Embora isso afaste alguns leitores, é uma pena que não persistam e avancem até ao menos a metade do livro que é quando passamos a compreender mais claramente essa estrutura e que não há capítulos somente “enchendo linguiça”. Cada um deles nos ajuda a entender melhor o que Anodos experimenta na Terra das Fadas e toda a magia que preenche aquele lugar. Além do mais, muitos personagens reaparecem em diversos capítulos e ver como eles se apresentam em situações diferentes é um dos pontos mais interessantes da obra.

Para os objetivos desta resenha, basta que saibam que essa aventura de 21 dias humanos (que ele sentiu como se fossem 21 anos) levou-o a encontrar belas mulheres, árvores ameaçadoras e gentis, sua própria Sombra, tornou-se escudeiro de um honrado cavaleiro e, como já adiantei um pouco antes, lutou e derrotou gigantes. Uma vida bastante agitada e perigosa, diga-se, como todas aquelas que esbarram nessa terra misteriosa.

O estilo do George MacDonald é bastante agradável para mim e ele cria passagens belíssimas com extrema simplicidade e sem aqueles exageros usuais de outros escritores de sua época que soam pedantes e vazios aos nossos ouvidos. Ele costuma ir direto ao ponto e nos dá um panorama geral de tudo que está acontecendo e, afeito à linguagem poética, não apenas utiliza belos versos nas canções que surgem ao longo da obra como também é possível sentir o ritmo perfilando os parágrafos de sua prosa também.

Isso acontece especialmente em passagens como quando Anodos é protegido e amparado por uma árvore que anseia se tornar uma garota de verdade e visitar o mundo dos humanos (em um desejo análogo ao de Anodos quanto a visitar a Terra das Fadas).

Essa árvore, chamada Faia, havia tomado forma humana para proteger Anodos de um Freixo que tem um buraco em seu coração que nada parece preencher. Após estarem seguros, conversam um pouco e ela canta para o protagonista por um longo tempo. Anodos acaba adormecendo em seus braços e, ao despertar pouco antes do amanhecer, a Faia havia retornado à sua forma original. Sentindo que as canções que ouvira antes vindas dela eram sinal de sua despedida a seguinte cena acontece:

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Com o sol já bem nascido, eu me levantei, coloquei meus braços o máximo que podiam alcançar ao redor da faia, beijei-a e disse adeus. Um tremular atravessou as folhas e algumas das últimas gotas da chuva noturna caíram delas diante de meus pés e, enquanto me afastava lentamente dali, parecia ouvir em um sussurro mais uma vez as palavras: ‘É possível que o ame, é possível que o ame; pois ele é um homem, e eu sou apenas uma faia’.” (tradução minha)

E há muitas outras cenas ao longo da obra que me marcaram. A luta dele contra os gigantes que já mencionei acima algumas vezes é uma das melhores coisas de Phantastes, assim como as histórias dos livros que Anodos lê na biblioteca do palácio. Porém, é bastante difícil selecionar um único trecho aqui para compartilhar desses eventos.

Considerando todas essas coisas, é fácil entender porque muitas pessoas atualmente não apreciem a obra de George MacDonald. Afinal de contas, ao ser um escritor de fantasia mais tradicional, ele utiliza alegoria com bastante frequência (recurso de alguns escritores fantásticos posteriores abominam) e acaba dando ênfase maior no deslumbramento dos personagens diante das coisas que estão acontecendo ao redor deles e pouco foco na ação e no combate, por exemplo. Essa sua ênfase na beleza aparece também na sua própria descrição das mulheres que são claramente belas e atraentes, mas não necessariamente em sentido erótico (o que também vai um pouco na contramão de muitos escritores de fantasia contemporâneos). E, além disso, seu uso de versos com certeza faz muitos leitores pularem algumas páginas enquanto leem exatamente por não saberem ainda apreciar poesia.

Porém, para aqueles que apreciam narrativas medievais, contos de fadas e buscam histórias que se atrevem a ser belas em vez de ser somente chocantes com certeza encontrarão morada em meio à Terra das Fadas de Phantastes e retornarão, assim como seu protagonista, ao mundo humano com uma rica bagagem e preparados para enfrentar o que quer que tenham que enfrentar em seu cotidiano.

Afinal, como diz Anodos ao encerrar sua narrativa, “eu sei que coisas boas estão chegando para mim, sei que o bem está sempre vindo ainda que poucos tenham a simplicidade e a coragem de acreditar nisso o tempo todo.

Até a próxima postagem!

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